domingo, 29 de janeiro de 2023

Quero esquecer-te

Quero esquecer-te e vejo no entanto

Que ao destino tenho que me curvar

Como esquecer te se te adoro tanto

Se a minha vida vem do teu olhar


Quero esquecer-te e trago-o na lembrança

Todo este amor que é toda a minha vida

Como esquecer-te se tenho esperança

De ainda ouvir a sua voz querida


Teu lindo nome não sai da minha boca

Para esquecer-te só ficando louca

Perdendo de uma vez toda a razão


Mesmo assim esquecer-te não podia

Para esquecer-te era ter que um dia

Arrancasse o coração


Autor desconhecido

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Êxtase

 Hoje, que és minha e que em meus braços vejo

Teu corpo leve, róseo e perfumado,

Que a nota viva e cálida de um beijo

Indo torna mais leve e mais rosado;


Hoje, que afogo ansioso o meu desejo

Da vida, de ventura e de pecado,

Na tua boca a rir e de sobejo

Sinto a ventura ideal de ser amado;


Hoje, que sinto a febre que te aquece

O coração e vem rosar-te as faxes,

No ardor que as almas novas estremece,


Penso-ó, assustada e tremula andorinha,

Como eu penara se me não amasses

Como eu sofrera se não fosses minha!


Luiz Edmundo

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Soneto

Os teus desdens aumentam meu desejo ;

Quanto mais me desprezas mais te anseio ;

Bate-me , aflito , o coração no seio ;

Ardendo em zelo , em pôs de ti rastejo...


Estojo o mundo de mulheres cheio ;

A ti somente , a mais ninguém , eu vejo ...

Mas , aí de mim ! Jamais terei teu beijo ,

Jamais te prenderei num doce enleio !


Tudo nos prende , e tudo nos separa ;

És uma linda ninfa esquiva e rara ...

Sou como aquele deus que nada alcança ...


E , enquanto zombas deste amor sincero,

Minha alma de querer-te não se cansa :

Quanto mais foges ... Tanto mais te quero ! 


Renato Tavares

domingo, 28 de agosto de 2022

Encantamento

Ante o deslumbramento do teu vulto

sou ferido de atônita surpresa

e vejo que uma auréola de beleza

dissolve em lua a treva em que me oculto.


Estás em cada reza do meu culto,

sonhas na minha lânguida tristeza,

e, disperso por toda a natureza,

paira o deslumbramento do teu vulto.


É tua vida a minha própria vida,

e trago em mim tua alma adormecida...

Mas, num mistério surdo que me assombra,


Tu és, às minhas mãos, fluida, fugace,

como um sonho que nunca se sonhasse

ou como a sombra vã de uma outra sombra...


Abgar Renault

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Soneto

Pálida à luz da lâmpada sombria,

Sobre o leito de flores reclinada,

Como a lua por noite embalsamada,

Entre as nuvens do amor ela dormia!


Era a virgem do mar, na escuma fria

Pela maré das águas embalada!

Era um anjo entre nuvens d'alvorada

Que em sonhos se banhava e se esquecia!


Era a mais bela! Seio palpitando...

Negros olhos as pálpebras abrindo...

Formas nuas no leito resvalando...


Não te rias de mim, meu anjo lindo!

Por ti - as noites eu velei chorando,

Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!


Álvares de Azevedo 

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Cor cardium

 Quando eu morrer, procura uma árvore florida,

E cava-lhe no tronco, amada, o meu caixão.

Quero que aí repouse o meu corpo sem vida,

Longe do humano olhar, dentro da solidão.


Cante-me o réquiem triste a voz da água perdida,

Reze por mim o vento a sua alta oração

E seja-me o silêncio o lápide escolhida,

Que vale, neste mundo, a maior inscrição?


E, um dia quando tu, minha doce querida,

Fores ver-me (talvez o tronco esteja são),

Para que achas sem custo a árvore preferida.


Farei cair da altura um fruto em tua mão,

Fruto que, ao te roçar a palma comovida,

Irá tomando a forma de cor de um coração.


Cleómenes Campos

terça-feira, 23 de agosto de 2022

História antiga

 No meu grande otimismo de inocente,

Eu nunca soube por que foi... um dia,

Ela me olhou indiferentemente,

Perguntei-lhe por que era... Não sabia...


Desde então, transformou-se de repente

A nossa intimidade correntia

Em saudações de simples cortesia

E a vida foi andando para frente...


Nunca mais nos falamos... vai distante...

Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante

Em que seu mudo olhar no meu repousa,


E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,

Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,

Mas que é tarde demais para dizê-la...


Raul de Leoni